A raposa da Zona Húmida da Veiga de S. Simão

Astuta, oportunista e com uma grande capacidade para se adaptar a novos ambientes, a raposa (Vulpes vulpes) tornou-se no carnívoro selvagem com maior distribuição mundial. Localmente, no concelho de Viana do Castelo, a raposa apresenta uma distribuição geográfica ampla, mas cada vez mais fragmentada e fragilizada, uma consequência certamente da forte presença do homem no litoral norte do país. As áreas de distribuição da espécie no concelho estendem-se desde as veigas do vale do Rio Lima e Litoral Norte, até aos planaltos centrais das serras de Santa Luzia e Serra d’Arga.

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A poucos quilómetros da cidade de Viana do Castelo, na Zona Húmida da Veiga de S. Simão (ZHVSS), um pequeno e típico bosque lusitano, alberga uma família de raposas que vive o seu dia-a-dia com aparente normalidade. Este local oferece tranquilidade e discrição necessária ao seu abrigo e boa disponibilidade de alimento para a sua sobrevivência e reprodução. Aqui, onde a floresta se mistura com terrenos agrícolas e com espaços alagados, a raposa tem acesso facilitado a uma dieta variada. Nesta área pode encontrar: pequenos roedores, aves, répteis, anfíbios, insectos, frutos e até alguns desperdícios abandonados pelo homem.

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Diariamente consome cerca de meio quilograma de alimento, guardando os excedentes da caça em esconderijos, que serão consumidos em períodos de menor abundância. Por se tratar de uma espécie com hábitos essencialmente nocturnos e crepusculares, torna-se muito difícil de a observar no seu ambiente natural. Estudos comprovam que, socialmente, a raposa vive em pequenos grupos formados por um macho adulto e várias fêmeas até um máximo de quatro e que a época de acasalamento acontece em pleno inverno, normalmente entre dezembro e fevereiro, seguida de uma gestação que se prolonga por cerca de 50 dias.
Numa noite fria de finais de Janeiro de 2014 uma fêmea deste grupo familiar foi observada em gestação avançada, seguindo tranquilamente um dos trilhos que habitualmente usa para se deslocar. Estas “vias de comunicação” fazem claramente a ligação dos diferentes habitats da área e são partilhadas por outras espécies de mamíferos que coabitam no mesmo território, como o Javali, o Texugo e a Gineta. Semanas após esta observação, o sucesso da gravidez foi comprovado com a visualização de duas jovens crias, aparentemente saudáveis e bem desenvolvidas. Estas crias tornar-se-ão auto-suficientes no outono, e no inverno partirão em busca dos seus próprios territórios, abandonando o local de nascimento e restante família. Se ao cuidado dos progenitores as ameaças eram muitas, a partir do momento em que abandonam a sua zona de conforto, estas jovens raposas ficam por sua conta e risco, totalmente expostas à frágil condição de animal selvagem em Portugal.






A ZHVSS tem vindo a sofrer uma pressão imensa por parte do homem. Nos últimos 5 anos assistiu-se a uma degradação contínua deste valioso ecossistema, sobretudo através de ataques ferozes aos pequenos bosquetes de carvalhos, amieiros e salgueiros, habitat de inúmeras espécies de flora e fauna. Será difícil para já avaliar o verdadeiro impacto do corte indiscriminado de árvores dos últimos anos, mas terá seguramente consequências irreversíveis nesta e na próxima geração, tanto no plano visual e estético, como no plano ecológico. Para além da fragmentação cada vez mais acentuada do seu habitat, a caça furtiva nesta área apresenta-se também como uma ameaça crescente, e cada vez mais preocupante. São inúmeros os vestígios de irresponsabilidade ambiental deixados na área por caçadores sem escrúpulos. Aqui facilmente se encontram vestígios de laços, plataformas básicas montadas em árvores para esperas nocturnas e poças com óleo queimado usadas para atrair e capturar javalis. Para além destes problemas, as nossas jovens raposas e restante fauna, enfrentam ainda outras ameaças, tais como:
  • Perturbação dos locais de reprodução, repouso ou alimentação (ex.: uso do local para prática de desportos motorizados)
  • Inexistência de um plano de despoluição e limpeza controlada;
  • Aterros e deposição de lixo doméstico e industrial;
  • Alteração do padrão estético e vegetal através da construção de pequenos jardins e espaços fechados onde predominam plantas e espécies exóticas (ex.: jardins com palmeiras);
  • Proliferação de espécies exóticas como acácias e mimosas (perda de habitat);
  • Atropelamentos de fauna.
abate de árvores

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laço

A raposa é um animal extraordinário, com uma capacidade de adaptação excepcional e com um espírito de sobrevivência único. Actualmente não se encontra ameaçada de extinção, sendo o seu estado de conservação a nível mundial classificado como “pouco preocupante”. Mas o mesmo não se pode afirmar localmente, pois com todos problemas observados neste espaço natural, não se augura, infelizmente, um futuro promissor para as nossas jovens raposas, e para toda a fauna e flora aqui existentes. Sabemos que se nada for feito para promover a protecção total deste ecossistema, a presença de espécies como a da raposa, ficará seriamente comprometida!

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Guarda-Rios do Lima

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1 comentários:

Manuela Marques disse...

Excelente artigo!

Por acaso ainda hoje vi duas raposas mortas na minha área de residência.. atropeladas :(

Na Veiga de S. Simão ainda não tive oportunidade de ver esta espécie. Espero que consigam sobreviver à pressão humana no local..